No dia 7 de Fevereiro, na rubrica “Escritores na Primeira Pessoa” no blogue Destante, o convidado foi Miguel Almeida, autor de alguns livros, entre eles “O Templo da Glória Literária” já comentado aqui no blogue.
Se não teve oportunidade de ler a entrevista ao Miguel no Destante, pode agora ler aqui no Viajar.
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Destante: Dizem que o poeta é um fingidor. O Miguel é poeta. Sem fingir, como é o verdadeiro Miguel Almeida?

Miguel Almeida:

“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”
Fernando Pessoa, Autopsicografia.

Sim, Fernando Pessoa tem razão. Como poderia ele não ter razão?! Mas, se por fingir se entender apenas mentir, o poeta não mente, pelo menos, conforme se costuma dizer, não mente com os dentes todos. Falando, então, de mim. Falando de mim, enquanto poeta. Há poemas meus que nasceram de situações que me são estranhas, situações que são dos outros. Mas se me despertam e motivam a atenção, se me condicionam e motivam a escrever, é porque de alguma maneira me tocaram. Em quase todas estas situações, é porque me causaram emoções fortes que me levaram a escrever. Eu emociono-me muitas vezes, emociono-me muito, e, talvez por isso, escrevo muito, escrevo facilmente, e escrevo sobre situações que despertam e tocam as pessoas.


D: Como é que começou a escrever? Foi a resposta a uma necessidade interior ou apenas um hobby?

MA:

Começo por dizer que esta é uma pergunta difícil de responder. Como penso que acontece com todas as pessoas que escrevem, podendo ou não vir a tornar-se escritores/as, escrevo desde que me lembro que aprendi a escrever. Mas escrever como acto literário/artístico, como exercício que busca o essencial da expressão e da comunicação, como forma de alívio, de compreensão e de partilha, se tiver que fixar um início, terei que o fixar nos meus tempos da Faculdade, enquanto aluno do Curso de Filosofia, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde aprendi muito e tive excelentes professores. Mas mais do que este ou aquele professor, foi o tipo de trabalho que me obrigaram a fazer que me levou a escrever. Excepção a uma ou outra “cadeira”, o tipo de trabalho que tinha que fazer era uma espécie de “pequeno ensaio”, acerca dos temas/filósofos mais diversos. Ler, pensar e, depois, escrever, tanto quanto possível de maneira autónoma e original, no essencial, era nisto que consistia fazer um Curso de Filosofia, pelo menos no meu tempo. Este tipo de trabalho foi determinante para me despertar o “bichinho da escrita”. Mas, é claro, com o seu manancial de ideias e de questões, umas claras e outras nem tanto, umas respondidas e outras por responder, a minha formação em filosofia também me continua a alimentar o meu hobby de escrever. Disse hobby, só pelo facto de não ser um profissional da escrita. Escrevo e só no ano de 2010 publiquei três livros, a saber, A Cirurgia do Prazer – Contos Morais e Sexuais, O Templo da Glória Literária – Versão poética, e Já não se fazem Homens como antigamente, este último um livro em co-autoria com mais três escritores, com distribuição nacional, o que é deveras notável, seja para quem for, mas sobretudo para mim, que continuo e continuarei a ser um professor de filosofia, ao nível do ensino secundário. Não abordei a questão de se começar/ou não a escrever movido por uma espécie de “necessidade interior”. Talvez possa falar disso mais adiante. Por agora digo apenas que esse tipo de motivação para a escrita não é contraditório com a escrita ser/ou não ser um hobby. Para mim, a escrita é um hobby, no sentido de não ser a minha ocupação principal, mas isso não quer dizer que não leve a escrita a sério, nem que a minha escrita não se alimente de uma espécie de “necessidade interior”. Quando não escrevo, quando passo muito tempo sem escrever, fico insatisfeito e sinto o peso enorme de uma falta dentro de mim.

D: "O Templo da Glória Literária" é o seu terceiro livro, porém é um livro de poesia. Como se revelou o seu "eu" poético? Ou melhor, como descobriu que havia um poeta no seu íntimo que precisava exprimir-se?

MA:

Já o disse várias vezes: a escrita poética faz parte do ADN da minha escrita. Foi pela poesia que comecei a escrever. É pela poesia que continuo a escrever. E será ainda pela poesia que irei continuar a escrever. O Templo da Glória Literária, o primeiro livro de poesia que publiquei, é a prova disso mesmo. Trata-se de um livro de tributo e de homenagem aos grandes nomes da poesia de todos os tempos. Em parte, é também um livro de agradecimento a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, me levaram a gostar da poesia, a gostar de ler e de escrever poesia.

D: Logo no início do Templo há a seguinte referência:

"Sinalética dos tempos:
Urge (re) conquistar o selvagem
O olhar da criança, o do louco e do poeta"

Acha que realmente se perdeu o que é inato ao homem, ou seja, a sua essência que no fundo é a inocência, a loucura e o poeta que há em cada ser humano?

MA:

Respondendo de forma directa e com total sinceridade: acho. O mundo actual é feito essencialmente de números e de coisas, de crises e de planos para ultrapassar as crises, de egoísmos e materialismos, de tantos e tantos outros “ismos”, mas não tem lugar para a inocência, a cândida inocência de um Voltaire, para a loucura, a sã loucura de imaginar e criar, nem para o poeta, que acredito que cada um traz dentro de si. Pessoalmente, sinto-me deveras satisfeito por saber que a minha poesia também se faz disso, ora denunciado este estado geral de coisas em que as pessoas deixam de ter disponibilidade para serem quem gostariam de ser, para fazerem o que mais gostariam de fazer, ora alertando para a necessidade de ter que se voltar atrás, de rebobinar o filme, para ver as alternativas, a meu ver diferentes, a meu ver melhores.

D: Depois da leitura do seu livro de poesia, fica bem claro o porquê da palavra "Templo" quer falar um pouco sobre isso?

MA:

Como já o disse atrás, O Templo da Glória Literária é um livro de tributo e de homenagem aos grandes nomes da poesia de todos os tempos. Já não sei por que poeta é que comecei a fazer os poemas deste meu livro, nem penso que isso tenha muito interesse agora. A verdade é que só depois de ter descoberto um pensamento de Jean le Rond d’ Alembert é que fiquei com a noção de ter entre as mãos um projecto que poderia vir a ser muito interessante. Eis as palavras de d’ Alembert:

“O interior do templo é somente habitado por mortos que não se encontravam lá quando vivos e alguns vivos que são postos para fora, a maior parte deles, quando morrem.”

A partir destas palavras ficou claro o que poderia/deveria fazer: seguindo o critério da fama e da glória literárias, poderia/deveria fazer poemas de tributo e de homenagem àqueles que, para mim, são os grandes vultos da poesia de todos os tempos. Como imagem, pensei numa espécie de Panteão, onde só são sepultados os poetas que alcançaram a imortalidade, tendo conquistado o seu lugar por direito próprio, isto é, pela excelência da obra que deixaram atrás de si. Mas há uma particularidade interessante nas palavras de d’ Alembert: muitas vezes/quase sempre, a fama e a glória aparecem cedo de mais, torna-se efémera e perde-se com a mesma rapidez com que se ganhou; outras vezes/quantas vezes, só depois da morte é que se reconhece a fama e a glória, e nalguns destes casos … dura para sempre. É deste segundo tipo de situações que se faz o meu livro. O Templo da Glória Literária, o poema que dá título ao meu livro, dá conta deste critério, que segui para proceder à minha selecção.

D: A crítica em Portugal não é um pouco elitista? Como se relaciona com a crítica literária?

MA:

Para além de uns quantos blogues literários que consegui despertar para as minhas obras, entre os quais se contam o Viajar Pela Leitura e o Destante, não me relaciono. É com alguma amargura que confesso o seguinte: a crítica literária em Portugal não é apenas elitista, também é direccionada, manipulada e, eventualmente, manipuladora. No poema de homenagem e tributo ao poeta Alexandre O’ Neill, chamo aos críticos literários “vadios ociosos, que passeiam o seu tempo pelo labor dos outros”. Mas vamos voltar um pouco atrás. Como já disse, no ano de 2010 publiquei três livros. O Templo da Glória Literária, em particular, mereceu imensas posições de destaque em muitas das grandes livrarias do país e até está a ser traduzido, para ser publicado, em Itália. Quem é que deu conta disso? Quem é que deu realce a isso? Ninguém.

D: Ainda temos em Portugal grandes escritores e grandes poetas?

MA:

Sim, é claro. Comungo plenamente da ideia que das coisas boas que Portugal tem para oferecer são os seus escritores. Temos outras, felizmente. Ao nível da escrita, está aí uma nova geração de escritores, com muito valor e fulgor, uns já com créditos firmados por esse mundo fora, outros em vias de o poderem vir a fazer. Gonçalo M. Tavares, Luís Miguel Rocha, José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe, João Tordo, para ficar só por alguns nomes, estão aí para o provar. Não tendo o mediatismo deles, e possivelmente a disponibilidade para me dedicar em exclusivo à escrita, não me considero excluído desta grande vaga de novos escritores portugueses. Quanto à poesia … bem … a poesia é outra questão. Ouve-se muitas vezes dizer que Portugal é um país de poetas … Mas, como acontece em tudo, é preciso separar o trigo do joio. De facto, há muita gente a escrever poesia, mas muita dessa gente escreve apenas movido pela sua vontade de o fazer, quantas vezes sem o talento e o saber para o poderem fazer bem. Mas penso que devem ser incentivados para o continuar a fazer. Por mim, procuro sempre incentivar quem tem vontade de escrever.

D: Se pudesse construir um Templo da Glória Literária, (fisicamente falando, um templo com tijolos e cimento), em que cidade o construiria?

MA:

O nosso Panteão Nacional continua pobre. Tem mais chefes de estado do que artistas ou escritores. O nosso grande Luís Vaz de Camões está sepultado no Mosteiro dos Jerónimos! Em Paris, pelo contrário, a imagem do Panteão Nacional é fortíssima. O Templo da glória Literária é uma imagem mental e cada um de nós tem a possibilidade de ter/fazer a sua própria imagem. Fisicamente falando, e só porque sou português, talvez tivesse que o construir em Lisboa, talvez no lugar onde está o Panteão Nacional, mas teria que virar a frente do actual edifício para o rio Tejo, a abraçar o mar.

D: O que pensa do acordo ortográfico? Vai adaptar a sua escrita ou vai resistir?

MA:

Enquanto puder, vou continuar a resistir. Eu quero continuar a vestir um fato, apesar de o fazer poucas vezes, e não um acontecimento.

D: O Miguel é professor. Ser professor é ainda uma missão ou apenas um castigo do destino?

MA:

Sim, sou professor de filosofia. Trata-se de uma profissão que comecei por abraçar com desconhecimento e desconfiança. Lembro-me de que quando fiz o meu Estágio Profissional, a ideia que tinha era a de ver se conseguia e/ou gostava de ser professor. A verdade é que acabei por gostar e abracei, depois, a profissão com enorme gosto e paixão. Nos primeiros anos de profissão, e ainda como professor contratado, disse várias vezes que me considerava um privilegiado: fazia o que gostava e ainda me pagavam para o fazer. Entretanto, com o tempo, como é público, a profissão de professor tem-se vindo a degradar: muita burocracia, alunos desinteressados e desmotivados, questões laborais delicadas …

D: Para terminarmos, faça referência a um livro e a um país/cidade e fale-nos um pouco de ambos.

MA:

Um livro? O livro que estou a escrever. É um romance. É a minha primeira tentativa de fazer um romance. Mas não tem país nem cidades, porque os lugares melhores, os mais autênticos e aprazíveis, não vêm no mapa. Agora a sério. Um livro? Sem dúvida, El Quijote, de Miguel de Cervantes. Trata-se de uma loucura constante, mas sempre humana. Chorei várias vezes enquanto o li, mas foi sempre de tanto rir. Um país? Sem ser Portugal, conheço poucos países. Escolho França e, mais concretamente, Paris. Pelo seu cosmopolitismo. Pela sua frente sempre virada para as artes. Os grandes museus de Paris, por exemplo, podem-se visitar várias vezes, devem-se visitar várias vezes, devem-se visitar e revisitar, e continuam sempre a chamar-nos para lá voltar.

D: Miguel, o nosso muito obrigado e fazemos votos de muito sucesso.

Quem fica agradecido, imensamente agradecido, sou eu. Sucessos também para os blogues Viajar pela Leitura e Destante.

1 comentários:

    «A poesia»

    Polpa sumarenta
    Que acalenta,
    Me alimenta,
    Que flutua
    Pelos ares
    E se perpetua
    Nos acordes singulares,
    Num poema de infinito,
    Num canto inaudito
    Onde as palavras
    Se vestem de mil cores
    Túrgidas
    De vida.

    Libânia Madureira

     

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